OAB aprova protocolo para julgamento ético-disciplinar com perspectiva de gênero e raça

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou por aclamação a criação de um protocolo que orienta o julgamento de processos ético-disciplinares com a inclusão de perspectiva de gênero e raça no Sistema OAB. A decisão foi tomada durante a sessão ordinária do Conselho Pleno, realizada nesta segunda-feira (19/08) no prédio histórico da entidade, em Brasília (DF).

A medida visa adaptar o Código de Ética e Disciplina da OAB às mudanças trazidas pela Lei 14.612/2023, que tipifica como infração disciplinar atos de assédio moral, assédio sexual ou discriminação (art. 34, XXX). A proposta, que inclui a criação de um comitê e a emissão de um provimento sobre o tema, foi desenvolvida por um grupo de trabalho composto pela secretária-geral adjunta do CFOAB, Milena Gama, e por diversas conselheiras federais e advogadas, incluindo Helcinkia Albuquerque (AC), Cláudia Lopes Medeiros (AL), Sinya Simone Gurgel Juarez (AP), Adriana Caribé (PE) e Renata Berenguer (PE).

A relatora da matéria, conselheira federal Daniela Libório (SP), ressaltou a importância da proposta, destacando a necessidade de ajustes sistêmicos para garantir a efetividade da nova norma. “As normativas que regem a advocacia são compostas por um conjunto de dispositivos de natureza jurídica distinta. Quando uma norma sofre alteração, é imprescindível que os dispositivos inferiores sejam ajustados, evitando lacunas ou conflitos no sistema”, argumentou. Libório destacou ainda que a inclusão da perspectiva de gênero e raça é um tema crucial para a advocacia e para a OAB, diante dos alarmantes índices de violência contra mulheres e da persistente desigualdade racial.

A relatora trouxe à discussão dados apresentados pela Agência Patrícia Galvão sobre os estereótipos racistas que afetam as mulheres negras, destacando quatro estereótipos em particular: o da “mãe preta”, a matriarca subserviente; o da mulher negra com sexualidade exacerbada, que atrai atenção masculina indesejada; o da mulher dependente de assistência social; e o da mulher negra raivosa, vista como produtora de violência, e não como vítima. “Esses estereótipos estão presentes no comportamento social e profissional, perpetuando a desigualdade que a Constituição busca eliminar”, afirmou Libório. Segundo ela, a violência enfrentada por mulheres brancas é ainda mais agravada para as mulheres negras.

O relatório de Libório, que focou na interseccionalidade de gênero e raça, foi amplamente elogiado. Outras conselheiras federais também se manifestaram, reconhecendo a aprovação como um “momento histórico” e uma “política reparativa efetiva”.

O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, reforçou o comprometimento da entidade com a luta contra o machismo e destacou o empenho do Conselho Federal em avançar nessa pauta. “Estou convencido porque sou comprometido com essa causa”, declarou.

Novos artigos no Código de Ética

Com a aprovação, foram inseridos três novos artigos no Código de Ética e Disciplina da OAB. Eles preveem que todos os processos judiciais, administrativos e disciplinares considerem a perspectiva interseccional de gênero e raça em suas etapas; que a OAB organize cursos, palestras e discussões sobre o tema; e que os procedimentos tramitem e sejam julgados com essa abordagem. A regulamentação desses dispositivos será feita por meio de um provimento, que também foi apresentado pelo grupo de trabalho.

Além disso, foi proposta a criação de um comitê consultivo plurigênero para monitorar e fiscalizar a aplicação das novas normativas. A matéria foi encaminhada às Comissões Nacionais da Mulher Advogada e de Promoção da Igualdade, que irão colaborar com sugestões e ajustes antes de sua implementação definitiva.