Uso do Mounjaro na apneia do sono reacende debate sobre limites da prescrição odontológica no Brasil
Decisão da Anvisa reforça a necessidade de rigor técnico, atuação multidisciplinar e observância das normas regulatórias por cirurgiões-dentistas
A recente autorização da Anvisa para o uso do Mounjaro (tirzepatida) no tratamento da apneia obstrutiva do sono reacendeu um debate central para o setor de saúde: quais são os limites éticos e legais da prescrição de medicamentos sistêmicos por cirurgiões-dentistas? Embora a legislação brasileira assegure a esses profissionais a prerrogativa de prescrever fármacos relacionados à sua área de atuação, especialistas alertam que a decisão regulatória exige cautela redobrada diante das indicações específicas, dos riscos associados e da necessidade de integração com outras especialidades médicas.
A discussão surge em um momento em que medicamentos originalmente destinados ao tratamento de diabetes e obesidade, como os análogos de GLP-1, ganham visibilidade e passam a ser considerados em diferentes contextos terapêuticos. No entanto, no caso do Mounjaro, aprovado exclusivamente para pacientes obesos e agora autorizado para casos de apneia obstrutiva do sono, a fronteira entre atuação odontológica e conduta médica se torna especialmente sensível. Profissionais que tratam distúrbios respiratórios do sono encontram-se diante de um novo cenário, que amplia possibilidades terapêuticas, mas exige rigor técnico e jurídico para evitar condutas que ultrapassem os limites legais da profissão.
A advogada especialista em Direito da Saúde, Caroline Bittar, reforça a importância dessa atenção. “É fundamental que o dentista compreenda que a autonomia profissional não é absoluta. Toda prescrição deve estar atrelada ao seu campo de atuação e sustentada por critérios técnicos e éticos. No caso do Mounjaro, a indicação é específica e restrita, o que exige ainda mais prudência. Atuar de forma integrada com outras especialidades e respeitar os limites regulatórios é o caminho para proteger o paciente e evitar riscos jurídicos que podem comprometer a carreira e a segurança assistencial”, pontua.
A preocupação é acompanhada pelo risco de judicialização. Com a ampliação do uso de medicamentos de alto impacto, crescem as demandas relacionadas a efeitos adversos, condutas inadequadas de prescrição e eventuais extrapolações de competência profissional. Na odontologia, onde a legislação é clara quanto ao escopo da atuação clínica, o uso de fármacos sistêmicos fora dos parâmetros estabelecidos pode gerar responsabilização ética, cível e até criminal.
A autorização da Anvisa para o uso do Mounjaro, portanto, não deve ser interpretada como uma ampliação automática da atuação odontológica, mas como um convite à prática integrada, segura e juridicamente amparada.
A crescente complexidade dos tratamentos de saúde exige que dentistas compreendam seu papel dentro de uma cadeia assistencial ampla, baseada em critérios técnicos sólidos e na responsabilidade compartilhada. A orientação jurídica especializada torna-se ferramenta indispensável para garantir segurança ao profissional, clareza ao paciente e coerência às condutas clínicas diante das novas possibilidades terapêuticas trazidas pelas decisões regulatórias.