Projeto de lei cria benefícios a motoristas de aplicativos
O presidente Lula (PT) assinou nesta semana (04/03) o projeto de lei que cria um pacote de direitos para motoristas de aplicativos de transporte. A proposta envolve remuneração, previdência, transparência, segurança e saúde, mas não estabelece vínculo empregatício com as plataformas digitais. Por falta de acordo, os entregadores sobre duas rodas ficaram de fora da atual regulamentação.
O texto foi encaminhado em regime de urgência ao Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal terão 45 dias, cada um, para analisar o projeto. Se for aprovado pelos parlamentares, os motoristas receberão um valor mínimo por hora trabalhada e, junto com as plataformas digitais, contribuirão com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Dessa forma, os condutores serão segurados pela Previdência Social e terão direito aos benefícios do instituto.
Decisões já tomadas na União Europeia
“No fim de 2023 o Parlamento Europeu e os Estados membros da União Europeia chegaram a um acordo para melhorar as condições de trabalho de 28 milhões de pessoas que se enquadram na chamada gig economy (economia sob demanda). Até o fim de 2025, estima-se que o número desses trabalhadores na Europa chegue a 43 milhões”, explica Fabrício Pelloso, doutor em Administração e professor de pós-graduação no Centro Universitário Integrado de Campo Mourão (PR).
“Ao mesmo tempo, a União Europeia busca maneiras de obter mais transparência no uso das tecnologias das plataformas digitais para que os algoritmos forneçam informações que sejam do conhecimento dos trabalhadores. Isso é outro avanço que o governo brasileiro também deve começar a pensar de agora em diante”, complementa Pelloso.
Governo propõe garantias trabalhistas
Entre outros pontos, o projeto do governo destaca que o “trabalhador autônomo por plataforma” — nome para fins trabalhistas da nova categoria — receberá R$ 32,09 por hora de trabalho e remuneração de, ao menos, um salário mínimo (R$ 1.412) e contribuição de 7,5% ao INSS.
As mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os segurados do INSS, como o Auxílio Maternidade. A negociação de benefícios, como o pagamento de vale-refeição e de reajustes que extrapolem a correção do salário mínimo, deverão ser objeto de acordo ou de convenções coletivas, intermediadas por representações sindicais.
O período máximo de conexão do trabalhador a uma mesma plataforma não poderá ultrapassar 12 horas diárias. Para receber o piso nacional, o trabalhador deve realizar uma jornada de 8 horas diárias efetivamente trabalhadas.
Segundo pesquisa feita pelo Ministério do Trabalho em agosto de 2023, 51% dos motoristas disseram que trabalham mais de 8 horas por dia; 27% informaram trabalhar de 8h a 10h e 24% mais de 10h por dia.
Informalidade em alta
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022 o Brasil tinha 778 mil pessoas que exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros, representando 52,2% do total de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços — o equivalente a 1,7% da população ocupada no setor privado.
O levantamento mostra que enquanto 44,2% dos ocupados no setor privado estavam na informalidade, entre os trabalhadores de aplicativos esse percentual chega a 70,1%.
Problema global
Vários países do mundo discutem a regulação desse modelo de trabalho nas empresas que operam via aplicativos, com o intuito de reconhecer suas responsabilidades com os motoristas.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores são unânimes nas reclamações por falta de direitos, jornadas exaustivas, alto custo com manutenção dos carros, aumento da instabilidade financeira, falta de cobertura previdenciária em casos de ausência por doença ou força maior e desgastes físico e emocional.
Estudo mundial sobre direitos trabalhistas
A União Europeia vai conduzir um estudo global sobre o tema e buscar soluções para que possíveis medidas regulatórias sejam adotadas em diferentes países.
Intitulada “Economia Sob Demanda na União Europeia: Implicações Jurídicas, Econômicas, Socioculturais e Políticas”, a análise terá duração de três anos e recortes em diferentes países e continentes. No Brasil, um recorte da pesquisa será conduzido pelo Centro Universitário Integrado, que fica no município de Campo Mourão, no Noroeste do Paraná.
A instituição recebeu um subsídio de 30 mil euros – concedido pelo programa de estudos e intercâmbios Erasmus 2023 – e a quantia será utilizada para a realização de um curso de economia sob demanda – gratuito e online – e para levantar dados entre os anos de 2024 a 2026. As inscrições para o curso estão abertas e qualquer interessado pode participar.
“Os dados e conclusões desse estudo local vão ajudar na criação de políticas públicas acertadas, dentro dos valores que envolvem o respeito pela dignidade humana, a liberdade, a democracia e a igualdade”, enfatiza Fabrício Pelloso.
Prós e contras
Entre as vantagens do trabalho sob demanda – como fazem os motoristas de aplicativos – estão a possibilidade de obter maiores salários mediante longas jornadas diárias e ter o controle da carga horária.
Contudo – por não haver vínculo formal empregatício – o trabalhador não tem direito a receber benefícios como férias, 13º salário, vale-transporte, ticket alimentação e plano de saúde. O equilíbrio entre os benefícios e os danos dessa nova ordem mundial trabalhista é o centro do estudo.
Para virar lei, a proposta que o governo enviou nesta semana (04/03) terá de ser aprovada pela Câmara e pelo Senado e, posteriormente, sancionada pelo próprio presidente Lula.