Freios do sistema imune rendem Nobel de Medicina a trio de cientistas
Descoberta de células reguladoras e do gene Foxp3 revelou o segundo mecanismo de controle das defesas do corpo, abrindo caminho para terapias contra doenças autoimunes, câncer e rejeição de transplantes
Três pesquisadores que ajudaram a desvendar como o corpo humano evita que suas próprias defesas se voltem contra ele foram agraciados, nesta segunda-feira (6), com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2025.
O japonês Shimon Sakaguchi e os americanos Mary Brunkow e Frederick Ramsdell dividirão, em partes iguais, a premiação de 11 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,2 milhões) pelo trabalho que revelou o papel das células T reguladoras e do gene Foxp3 — componentes centrais de um “freio” essencial do sistema imunológico.
Segundo o Comitê Nobel do Instituto Karolinska, na Suécia, as descobertas do trio “foram decisivas para entender por que o sistema imunológico mantém o equilíbrio entre ataque e tolerância, evitando que todos nós desenvolvamos doenças autoimunes graves”.
Um sistema em equilíbrio fino
O sistema imune é uma engrenagem complexa que protege o corpo de infecções e células doentes. Nele, os linfócitos T desempenham papel de ataque — eliminando agentes estranhos —, mas precisam ser rigidamente controlados.
Desde a década de 1960, sabia-se que parte desse controle ocorria no timo, onde os linfócitos T que poderiam atacar o próprio organismo eram eliminados. Ainda assim, alguns escapavam, causando doenças como diabetes tipo 1, lúpus e esclerose múltipla.
O segundo freio: células T reguladoras
Na metade dos anos 1990, Shimon Sakaguchi, hoje professor da Universidade de Osaka, mostrou que havia um segundo mecanismo de tolerância imune, mediado por um tipo especial de linfócito T: os T reguladores (Treg).
Essas células agem como “vigilantes dos vigilantes”, mantendo sob controle os linfócitos que poderiam atacar o corpo. Em 1995, Sakaguchi descreveu oficialmente o novo tipo celular em um artigo no Journal of Immunology, identificando-o por proteínas específicas, como CD4 e CD25.
“Foi um divisor de águas. Passamos a entender que o sistema de defesa precisa tanto de células efetoras, que combatem, quanto de reguladoras, que freiam a resposta quando necessário”, relembra o imunologista Juan José Lafaille, da Universidade de Nova York.
Nos Estados Unidos, o gene por trás do controle
Enquanto Sakaguchi explorava o papel das Treg, Mary Brunkow e Frederick Ramsdell, então na empresa Celltech Chiroscience, em Washington, buscavam a origem genética de doenças autoimunes em camundongos com uma mutação curiosa — o scurfy mouse, cuja pele escamosa denunciava falhas graves no sistema imune.
O trabalho levou à descoberta, em 2001, de um novo gene: o Foxp3, localizado no cromossomo X e essencial para o controle imunológico.
As mutações nesse gene também explicaram uma doença humana rara e devastadora, a síndrome IPEX, que afeta meninos e provoca inflamações múltiplas em órgãos.
A conexão entre o gene e as células
O elo entre os dois achados veio em 2003, quando Sakaguchi e sua equipe provaram que o Foxp3 era o maestro das células T reguladoras: ao introduzir o gene em linfócitos imaturos, eles se transformavam em Treg — células capazes de impedir respostas autoimunes.
O estudo, publicado na revista Science, consolidou a teoria do “segundo freio” do sistema imune.
Da ciência básica à medicina de precisão
O impacto dessas descobertas vai muito além da imunologia teórica. Elas pavimentaram o caminho para novas terapias contra doenças autoimunes e para estratégias que reduzem a rejeição de órgãos transplantados.
Em contrapartida, em casos de câncer, pesquisadores buscam inibir os T reguladores, permitindo que o sistema imune ataque tumores com mais força.
“Hoje existem cerca de 200 ensaios clínicos investigando o papel das Treg no tratamento de diferentes doenças”, destacou Thomas Perlmann, secretário-geral do Comitê Nobel.
Reconhecimento merecido
Para o imunologista Jorge Kalil Filho, da USP, o prêmio era apenas uma questão de tempo.
“No congresso mundial de imunologia, em Viena, muitos já perguntavam quando Sakaguchi e os outros seriam reconhecidos. O Nobel é mais do que merecido — eles revelaram um dos mecanismos mais elegantes da biologia humana”, afirmou.
A cerimônia de entrega do Nobel ocorrerá em 10 de dezembro, data que marca o aniversário da morte de Alfred Nobel (1833–1896), criador do prêmio e inventor da dinamite.