Perda de biodiversidade eleva risco de novas pandemias, alerta pesquisadora em evento da FAPESP

Felicia Keesing, do Bard College (EUA), destaca que conservar áreas naturais pode reduzir a disseminação de doenças zoonóticas e evitar futuras crises globais de saúde.

A destruição de habitats e a perda de biodiversidade estão diretamente ligadas ao aumento de espécies que funcionam como reservatórios de doenças transmissíveis entre animais e humanos. O alerta foi feito pela bióloga Felicia Keesing, professora do Bard College, nos Estados Unidos, durante o primeiro dia da Escola Interdisciplinar FAPESP: Ciências Exatas e Naturais, Engenharia e Medicina, que começou nesta segunda-feira (10/11), em São Paulo.
Segundo Keesing, 75% das doenças infecciosas emergentes em humanos são zoonóticas, ou seja, transmitidas entre pessoas e outros vertebrados. Apesar disso, as estratégias globais de prevenção — como as preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — têm se mostrado insuficientes para evitar crises sanitárias como a pandemia de COVID-19.

“Precisamos ampliar nossa visão além de poucos locais, vírus e espécies tradicionalmente considerados como possíveis fontes de novas pandemias”, defendeu a pesquisadora.

Keesing destacou que testar previsões passadas, entender por que falharam e aprimorar os modelos é fundamental para prever futuras ameaças com mais precisão. Ela também sugere expandir as pesquisas para além dos coronavírus, uma vez que bactérias resistentes a antibióticos podem representar o próximo grande desafio global.
Biodiversidade como barreira natural
Em suas pesquisas no Quênia, Keesing observou que áreas que perderam grandes mamíferos, como girafas e leões, apresentaram aumento de roedores e serpentes venenosas, animais com maior potencial de transmissão de patógenos.
Segundo ela, espécies menos ameaçadas de extinção, que se reproduzem rapidamente e vivem em áreas amplas, tendem a carregar mais agentes infecciosos.

“A conservação e a restauração da biodiversidade são instrumentos poderosos para impedir o surgimento de novas pandemias”, afirmou.

A cientista também chamou atenção para o fato de que patógenos circulam em via dupla — de animais para humanos e vice-versa —, o que pode gerar vieses nas pesquisas, já que microrganismos que atingem pessoas são mais estudados e catalogados.
Keesing concluiu destacando a importância de investimentos em antivirais e antibacterianos de amplo espectro, desenvolvimento rápido de vacinas e fortalecimento das políticas públicas e da governança global em saúde.

Matemática e desenvolvimento econômico
Também durante o evento, Marcelo Viana, diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), apresentou dados sobre o impacto econômico das áreas ligadas à matemática. Estudo realizado pelo Itaú Social e pelo Impa mostrou que essas atividades representam 4,6% do PIB brasileiro, com salários 119% superiores à média nacional.
Segundo Viana, elevar esse percentual ao nível da França (18%) poderia acrescentar R$ 1,5 trilhão ao PIB do país. O Impa Tech, inaugurado em 2024 no Rio de Janeiro, busca contribuir para essa meta ao formar mão de obra qualificada em matemática, ciência da computação, ciência de dados e física.

São Paulo, referência em ciência
Na abertura da Escola Interdisciplinar, o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, destacou a importância do financiamento estável para a liderança paulista na produção científica nacional.

“Não se trata apenas de investir muito, mas de garantir estabilidade — é isso que permite financiar projetos de longo prazo”, afirmou Zago.

O evento, que chega à 5ª edição, reúne 60 pesquisadores de pós-doutorado de várias regiões do país e do exterior. O professor Oswaldo Baffa Filho, da FFCLRP-USP, ressaltou o caráter colaborativo da iniciativa: “Construímos pontes entre áreas, culturas e pessoas — é assim que a ciência avança.”