Pesquisa brasileira revela como tumores de mama conseguem “driblar” tratamentos avançados
Uma equipe brasileira identificou um conjunto inédito de variações da proteína HER2 — um dos principais alvos terapêuticos no câncer de mama — e trouxe novas pistas para explicar por que alguns tumores resistem aos tratamentos mais modernos. O estudo, conduzido pelo Hospital Sírio-Libanês e publicado na Genome Research, elevou de 13 para 90 o número conhecido de formas da proteína, cuja superexpressão está associada a cerca de 20% dos casos da doença no Brasil.
Além das novas versões, os pesquisadores mapearam diferenças de estrutura e de localização celular, incluindo áreas inéditas de ligação a anticorpos. Essa diversidade, afirmam, pode comprometer a eficácia de terapias baseadas na forma padrão de HER2, como anticorpos e anticorpo-fármacos (ADCs).
HER2: de reguladora celular a motor do crescimento tumoral
Normalmente responsável por regular o crescimento celular, a HER2 passa a atuar de forma permanente em alguns tumores. A ativação contínua estimula a proliferação acelerada das células cancerígenas, tornando o câncer mais agressivo. O tratamento padrão para tumores HER2-positivos combina quimioterapia com anticorpos específicos, que custam cerca de R$ 40 mil por paciente e podem provocar efeitos colaterais importantes.
Descoberta ajuda a explicar falhas no tratamento
Segundo o coordenador do estudo, Pedro Galante, algumas das variantes identificadas sequer possuem os domínios proteicos necessários para que a HER2 se ancore na membrana celular ou interaja com o anticorpo terapêutico. “O anticorpo precisa reconhecer exatamente a proteína, como uma chave que entra em uma fechadura”, afirmou à Agência FAPESP.
O grupo também analisou linhagens celulares sensíveis e resistentes ao trastuzumabe e a ADCs. As células que expressavam versões alternativas da proteína — previamente classificadas como não respondedoras — de fato não reagiram aos medicamentos. Já as linhagens com a forma tradicional responderam como esperado. “O splicing alternativo está diretamente ligado à resposta terapêutica”, reforça Galante.
Mecanismo molecular ganha protagonismo
O splicing alternativo, processo que permite que um único gene gere diferentes versões de uma molécula, torna-se peça-chave na explicação. Alterações nesse mecanismo estão associadas a doenças genéticas e a diversos tumores malignos. “O trabalho traz luz a um processo ainda pouco explorado clinicamente, mas com enorme potencial para orientar terapias e diagnósticos mais precisos”, afirma Gabriela Der Agopian Guardia, primeira autora do artigo.
Tecnologia e escala inéditas
A equipe analisou 561 amostras de câncer de mama do The Cancer Genome Atlas (TCGA), além de células cultivadas em laboratório. O uso de tecnologias avançadas de leitura genética permitiu detectar detalhes imperceptíveis em análises convencionais — e mapear o maior conjunto de variantes de HER2 já descrito.
Entre pacientes, o grau de expressão da proteína varia. Tumores HER2-positivos são tratados com terapias-alvo específicas, mas tumores HER2-low também começam a apresentar respostas a novas drogas, como os ADCs.
O câncer de mama permanece como o mais incidente entre mulheres no Brasil (excetuando o de pele não melanoma), com 73 mil novos casos estimados para 2025, segundo o Inca.
Próximos passos: ampliar o alcance da descoberta
A equipe agora pretende investigar o papel das isoformas de HER2 em outros tipos de câncer, como o de pulmão — onde medicamentos semelhantes também são adotados — e avançar na validação clínica dos achados. Os pesquisadores querem entender se o padrão de expressão das variantes pode prever a resposta de pacientes previamente tratados com terapias anti-HER2, sobretudo os ADCs.
A pesquisa também ganhou destaque visual: a ilustração de capa da Genome Research foi assinada por Alice Brassanini Mena Barreto dos Reis, paciente que superou um câncer de mama. Inspirada em Alice no País das Maravilhas, a obra simboliza a descoberta científica como chave para desvendar mundos invisíveis.