Quase metade dos ambientes aquáticos do planeta está gravemente contaminada por lixo, aponta estudo
Quase um em cada dois ambientes aquáticos do mundo apresenta níveis preocupantes de lixo. A conclusão é de um levantamento internacional conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que reuniu e analisou 6.049 registros de contaminação em todos os continentes ao longo dos últimos dez anos.
O trabalho, liderado pelo doutorando Victor Vasques Ribeiro e coordenado pelo pesquisador Ítalo Braga de Castro, ambos do Instituto do Mar (IMar-Unifesp), examinou estudos publicados entre 2013 e 2023 e classificou rios, estuários, praias e manguezais segundo o Clean-Coast Index (CCI), indicador global que mede a densidade de resíduos sólidos nesses ambientes. Os resultados foram publicados no Journal of Hazardous Materials.
Brasil lidera em registros, mas não em limpeza
Embora o Brasil apareça como o país com maior número de registros de monitoramento no período, isso não significa que seus ambientes estejam em melhores condições. Segundo Castro, cerca de 30% das áreas costeiras brasileiras avaliadas foram classificadas como “sujas” ou “extremamente sujas”. Um dos casos mais graves está nos manguezais de Santos, próximos à capital paulista, apontados como um dos pontos mais contaminados do planeta.
Plásticos e bitucas representam 80% do lixo mundial
A síntese global revelou um padrão recorrente, independentemente das diferenças culturais ou econômicas entre regiões: plásticos e bitucas de cigarro respondem por quase 80% de todo o lixo encontrado. Os plásticos, sozinhos, representam 68% dos resíduos, impulsionados por sua persistência no ambiente e pela fragmentação em micro e nanoplásticos. As bitucas, cerca de 11%, liberam mais de 150 substâncias tóxicas prejudiciais à vida aquática.
Áreas protegidas são mais limpas, mas ainda vulneráveis
O estudo avaliou 445 áreas protegidas em 52 países e confirmou sua importância na contenção da poluição. Ambientes sob proteção têm, em média, até sete vezes menos resíduos. Cerca de metade delas foi classificada como “limpa” ou “muito limpa”. No entanto, a proteção não é absoluta: 31% dessas áreas ainda foram consideradas “sujas” ou “extremamente sujas”.
Os pesquisadores também identificaram um fenômeno conhecido como “efeito de borda”: a concentração de lixo é maior nas proximidades dos limites das unidades de conservação. A pressão de atividades humanas próximas — como turismo, urbanização e transporte fluvial de resíduos — reforça essa vulnerabilidade e demanda políticas de gestão que ultrapassem os limites formais das áreas protegidas.
Desenvolvimento econômico e poluição avançam em ritmos diferentes
Usando o Global Gridded Relative Deprivation Index (GRDI) para cruzar dados ambientais com indicadores socioeconômicos, o grupo observou padrões distintos dentro e fora das áreas protegidas. Em regiões sem proteção, a poluição tende a aumentar nos estágios iniciais de desenvolvimento, mas diminui conforme o país alcança melhor infraestrutura e governança ambiental. Já nas áreas protegidas, o desenvolvimento econômico frequentemente eleva a contaminação, indicando que investimentos em gestão e fiscalização não acompanham a expansão das atividades humanas.
Governança global do lixo será decisiva
Para os pesquisadores, enfrentar a crise de contaminação por resíduos sólidos — especialmente plástico — exige medidas coordenadas em toda a cadeia produtiva e cooperação internacional. Sem mudanças profundas em políticas de governança global, o cenário tende a piorar. Os dados do estudo podem apoiar negociações em curso, como o Tratado Global do Plástico e o Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP, por meio de auxílios à pesquisa, bolsas de doutorado e pós-doutorado concedidas aos autores.