Sachês de amido liberam fertilizantes de forma controlada e surgem como alternativa sustentável aos polímeros derivados do petróleo
Uma tecnologia em desenvolvimento pela Embrapa Instrumentação, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), promete transformar a aplicação de fertilizantes no campo. Trata-se de sachês biodegradáveis feitos de amido, reforçados com nanopartículas, capazes de armazenar e liberar gradualmente nutrientes essenciais para as plantações — uma solução que pode substituir polímeros sintéticos hoje usados pela indústria.
Os invólucros, que funcionam como pequenas cápsulas, podem ser preenchidos com diferentes formulações de fertilizantes em pó ou granulados. O objetivo é melhorar a eficiência da adubação, evitar perdas e reduzir impactos ambientais. Como explica o químico João Otávio Donizette Malafatti, responsável pelo desenvolvimento dos sachês, muitos fertilizantes — especialmente os do trio nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) — são aplicados em excesso para garantir absorção, mas grande parte se perde no solo por lixiviação ou dispersão.
“Os sachês permitem controlar a liberação, de modo que a planta absorva os nutrientes lentamente, evitando desperdícios e contaminação”, afirma.
Nanotecnologia a serviço da agricultura
O estudo, supervisionado pela pesquisadora Elaine Cristina Paris, também docente do Programa de Pós-Graduação em Química da UFSCar, foi publicado no Journal of Inorganic and Organometallic Polymers and Materials. Nele, Malafatti desenvolve sachês de amido combinados com ureia e ácido cítrico, reforçados com zeólita rica em íons de cobre — um mineral poroso com forte capacidade de adsorção.
Segundo o pesquisador, a zeólita confere dupla função ao material:
proteção antimicrobiana, inibindo fungos e bactérias que poderiam degradar o amido;
fornecimento de micronutrientes, já que o cobre é absorvido posteriormente pelas plantas.
Nos testes, o cobre presente no sachê conseguiu conter o crescimento do fungo Alternaria alternata. A formulação busca equilibrar resistência e degradação, garantindo que o material mantenha suas propriedades até chegar ao solo e, depois, libere gradualmente seu conteúdo.
Resistência, estabilidade e desempenho
Polímeros de amido ainda enfrentam desafios quando comparados aos derivados do petróleo, especialmente em resistência mecânica. Para superar essa limitação, os pesquisadores avaliaram diferentes concentrações de zeólita e identificaram que 3% é o limite ideal: acima disso, as nanopartículas se aglomeram e fragilizam o material.
Além de aumentar a resistência, a zeólita atua como reservatório de água, graças à sua alta porosidade e afinidade por moléculas de água — o que pode beneficiar o cultivo em períodos de seca.
Nos testes de liberação, os sachês ficaram submersos por 30 dias e liberaram gradualmente ureia, cobre e cloreto de potássio. Os autores destacam que a estrutura hidrofílica favorece contato com a água e contribui para controlar a solubilização dos nutrientes.
Ensaios de citotoxicidade indicaram que a zeólita de cobre não apresenta risco significativo para plantas: raízes de agrião tiveram 92% de viabilidade após exposição. Testes de solubilidade mostraram que, em meio ácido, a liberação do cobre aumenta de 5% para 45%.
Redução de custos e customização
A equipe agora busca materiais mais baratos e rotas de produção econômicas, fundamentais para viabilizar o uso em larga escala. “Para aplicação no solo, não é necessário utilizar amido de alta pureza, como o destinado à indústria alimentícia. O objetivo é reduzir custos para que a agroindústria possa incorporar essa tecnologia”, explica Paris.
A versatilidade é outro ponto forte: qualquer fertilizante particulado pode ser encapsulado nos sachês, o que facilita a adoção pela indústria. O sistema também evita que trabalhadores precisem manipular diretamente os produtos.
Por enquanto, a tecnologia está em escala laboratorial. De acordo com Paris, a aplicação imediata seria em jardinagem, paisagismo, estufas e hidroponia. Para grandes lavouras, ainda são necessárias etapas de escalonamento e estudos de viabilidade econômica.
Fertilização sob medida
Segundo a doutoranda Camila Rodrigues Sciena, que participou de estudos anteriores, os sachês podem ser ajustados para diferentes culturas.
“Uvas e tomates têm necessidades distintas. É possível combinar nutrientes específicos e escolher o tipo de sachê — mais ácido para solubilizar fertilizantes pouco solúveis ou menos ácido para aqueles que já se dissolvem rapidamente”, explica.
A tecnologia aponta para um futuro em que a fertilização do solo poderá ser mais eficiente, sustentável e personalizada, com menor impacto ambiental e maior aproveitamento dos insumos agrícolas.