Dia Mundial dos Direitos Autorais: Inteligências Artificiais impõem novos desafios à proteção de obras
Advogada goiana explica que ainda não há consenso se as obras derivativas criadas por essas novas tecnologias constituem uso justo (fair use) ou violação das leis de propriedade
Em um mundo em constantes mudanças provocadas pela tecnologia, diversas áreas precisam se atualizar no mesmo ritmo para se adequarem aos novos rumos da sociedade. É o caso inclusive das leis de Direitos Autorais, cujo dia se celebra nesta terça-feira, 23 de abril. Com o advento das redes sociais e a propagação das inteligências artificiais, novos desafios têm sido impostos nessa área quanto à proteção de uso de obras dos mais variados formatos.
A advogada Ana Paula Duarte Avena de Castro, mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação, que atua como assessora e consultora jurídica, contencioso, preventivo e administrativo no escritório Celso Cândido de Souza Advogados (CCSAdvogados), explica que os direitos autorais surgiram para proteger os direitos dos criadores de obras intelectuais, como escritores, artistas, músicos, cineastas e outros. “Elas concedem aos criadores o direito exclusivo de controlar o uso e a distribuição de suas obras, garantindo-lhes compensação justa pelo seu trabalho e incentivando a produção contínua de conteúdo criativo”, afirma.
Não há um consenso sobre as minúcias que levaram as leis de direitos autorais ao formato em que se encontram hoje. Sabe-se, porém, que elas são o resultado de uma complexa evolução histórica, podendo ter suas raízes em noções de propriedade sobre trabalhos intelectuais existentes ainda na Roma Antiga.
Já a celebração aos direitos autorais foi sagrada pela Unesco em associação feita diretamente com a literatura. Em 1995, a entidade, em sua XXVIII Conferência Geral, escolheu o dia 23 de abril para celebrar o livro, incentivar a leitura, homenagear autores e também refletir sobre seus direitos legais. A data homenageia os escritores Inca Garcilaso de la Vega, Miguel de Cervantes e William Shakespeare, que morreram em 23 de abril de 1616.
Passados quase 30 anos da definição da data, os direitos autorais passam por discussões muito diferentes do que se imaginava naquela época. O compartilhamento em massa de obras diversas em sites e nas redes sociais e, mais recentemente, o advento das Inteligências Artificiais (IA), capazes de elas próprias criarem quase que instantaneamente produtos baseados nos trabalhos de milhões de artistas disponíveis na Internet, suscitam novos debates sobre o assunto.
“As redes sociais e a internet têm um impacto significativo nos direitos autorais de várias maneiras: facilidade de distribuição, aumento da pirataria, uso justo (fair use) e compartilhamento de conteúdo, proteção e controle, através de políticas e tecnologias que protegem os direitos autorais”, diz Ana Paula.
Ela afirma que, enquanto as redes sociais e a internet oferecem oportunidades para os criadores alcançarem um público mais amplo, elas também apresentam desafios significativos para a proteção dos direitos autorais. “É essencial que haja um equilíbrio entre facilitar o compartilhamento de conteúdo e proteger os direitos dos criadores, e isso muitas vezes requer uma aplicação eficaz da lei de direitos autorais juntamente com medidas técnicas e políticas por parte das plataformas online”, destaca.
A situação fica mais complicada quando o foco são as inteligências artificiais, não apenas por só recentemente terem começado a ser utilizadas amplamente por pessoas e empresas, mas também por sua própria complexidade. Afinal, ainda se debate se uma obra gerada por algoritmo com base na análise dos estilos de diversos artistas pode ser chamada de “arte”. Em um âmbito estritamente legal, essas obras devem estar protegidas por direitos autorais? E nesse caso, quem seria o detentor da propriedade?
“Ainda há muitas perguntas sem resposta”, comenta Ana Paula. “A inteligência artificial tem o potencial de impactar diretamente os direitos autorais de várias maneiras: criação e filtragem de conteúdo, análise e detecção de violações e ainda, geração de obras derivadas, tais como: remixes de músicas ou versões modificadas de obras de arte. Especificamente, nesse último caso, surgem questões sobre se essas obras derivadas constituem uso justo (fair use) ou violação de direitos autorais”, complementa.
Segundo a especialista, muitos países, incluindo o Brasil, ainda não têm legislação específica que aborde diretamente a criação de obras por IA ou a atribuição de direitos autorais a essas obras. No entanto, ela avalia que à medida que a IA se torna mais difundida e influente, é provável que haja uma evolução na legislação de direitos autorais para lidar com essas questões de forma mais abrangente e clara.
A advogada ressalta que é comum que as leis de direitos autorais enfrentem desafios significativos para se manterem atualizadas em um ambiente em constante evolução, especialmente com o rápido avanço da tecnologia digital. Portanto, em muitos aspectos, as leis de direitos autorais podem ser consideradas defasadas em relação aos desenvolvimentos recentes.
“Para aprimorar a lei de direitos autorais e torná-la mais adequada ao ambiente digital atual, considero importante equilibrar os interesses dos criadores e dos usuários, modernizar as definições de direitos autorais, fomentar a colaboração e a inovação, proteger os direitos dos usuários e promover a educação dobre direitos autorais. É importante que qualquer reforma na lei de direitos autorais seja feita com consulta ampla a todas as partes interessadas, incluindo criadores, usuários, empresas de tecnologia, organizações de defesa do consumidor e especialistas em direitos autorais, para garantir que os interesses de todos sejam considerados de forma equilibrada”, conclui Ana Paula.