Justiça aceita queixa-crime contra engenheiros que divulgaram publicação sexista contra candidatas em disputa eleitoral

Nesta quarta-feira (27/11), a 3ª Turma Julgadora da 2ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça de Goiás determinou o recebimento de queixa-crime contra dois engenheiros de Goiânia que durante disputa eleitoral compartilharam conteúdos de cunho machista e sexista contra as candidatas da chapa oposta. A apelação foi apresentada pelos advogados Gabriel de Castro e Valério Luiz, que representam as integrantes da chapa “Renovação”.

Durante eleição para a Diretoria e Conselhos do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia do Estado de Goiás (Ibape-GO) Biênio 2024/2025, candidatos da chapa “Ibape em Ação” realizaram publicações em rede social, inclusive no perfil oficial da institucional, direcionada às mulheres da chapa “Renovação”, com ofensas misóginas.

Mesmo com repercussão nacional do caso, o juízo de primeira instância avaliou que o caso deveria ser arquivado. Em decorrência disso, os advogados das vítimas protocolaram Apelação requerendo a reforma da decisão que rejeitou liminarmente a queixa-crime, com a consequente determinação de que seja esta recebida e o feito regularmente processado, por meio de toda a produção de provas cabível, até a sentença de mérito. A solicitação foi atendida e agora o processo será desarquivado.

“O artigo 140 do Código Penal tipifica a conduta de ‘injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro’. Os fatos e o contexto mostram que o candidato a vice-presidente técnico e o vice-presidente de comunicação e marketing se utilizaram de duas músicas para se referir às suas adversárias eleitorais no Ibape-GO, e que tais músicas possuem expressões como ‘filha da puta’, ‘vagabunda’, ‘piranha’, ‘safada’, ‘ninfeta’, além de conterem obscenidades e alusões a atos sexuais dentro de um claro sentido de subjugação e objetificação da mulher. Trata-se, inclusive, de ataque à honra motivado por razões de gênero, e que, no caso, se aproximou perigosamente de apologia ao estupro”, destaca o advogado Gabriel de Castro.

Em complemento, o advogado Valério Luiz pontua que “os colegas das querelantes, o Crea-GO e o próprio Ibape-GO imediatamente perceberam o caráter ofensivo das postagens, demonstrando não se tratar de mera intepretação de Ana Cristina Reis, Ludmilla Couto, Pollyana Carvalho e Cáritas Icassatti: pelo contrário, essas mulheres foram submetidas a constrangimento e humilhação perante seu meio social ao serem retratadas, à vista de todos, de forma inapropriadamente sexualizada e pejorativa”, pontua.

“No período em que se luta mundialmente pelo fim da violência contra a mulher, uma decisão judicial representa um avanço no respeito à dignidade da mulher. Nós ingressamos em um processo eleitoral como engenheiras, que têm uma história e experiência profissional comprovada, e fomos surpreendidas com ataques de cunho machistas, direcionadas a nossa honra como mulheres. Sabemos que essa decisão é apenas um primeiro passo, mas muito relevante para demonstrar que a Justiça compreende que o fato foi grave e danoso, seguindo inclusive os protocolos de Julgamento sob Perspectiva de Gênero”, afirma a engenheira Ludmilla Couto.


Entenda o caso

No dia 24 de novembro de 2024, houve a eleição para a diretoria, conselhos fiscal e consultivo, do Ibape-GO. Duas chapas concorreram à eleição: uma chapa de situação, denominada “Ibape em Ação”, composta majoritariamente por homens, e uma chapa oposicionista, denominada “Renovação”, composta exclusivamente por mulheres.

Com o resultado da eleição e vitória da “Ibape em Ação”, a chapa adversária foi surpreendida com publicações ofensivas no perfil do candidato a vice-presidente técnico no Instagram e no perfil institucional do Ibape/GO na mesma rede social, realizada pelo então vice-presidente de Comunicação e Marketing. As publicações que celebravam o resultado ao som duas músicas do gênero funk com letras de baixo calão e conteúdo misógino, em clara referência injuriosa e depreciativa às mulheres que compunham a chapa derrotada no pleito.

“Ela fode é falando que ama, tropa dos covardes. Toma, sua filha da puta! Vai pegando a visão, hein. Jogando na cara, suas duas vagabunda, ô piranha! Caralho, ela joga na cara só do vagabundo, piranha, safada, ninfeta, safada! Toma sua filha da puta”, dizia trecho de uma das músicas, Tropa dos Covardes.

Diante da situação, as candidatas oposicionistas solicitaram a remoção dos conteúdos. Enquanto a repercussão se deu apenas interna e pelo referido grupo de WhatsApp, o publicador reagiu com deboche e ironia, postando novamente, nas suas redes sociais pessoais e nas do Ibape-GO, a mesma publicação comemorativa referente à eleição de 2023, mas dessa vez com uma trilha sonora de gênero gospel.

Em resposta, Ludmilla Couto publicou nota de repúdio em suas redes sociais pessoais, mencionando, notadamente, “divulgações do Ibape GO com conteúdos com músicas de teor pejorativo às mulheres, desrespeito, apologia ao estupro e sexualização”.

Repercussões

Diante da gravidade do ocorrido, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea/GO) publicou nota de desagravo por meio de seu Programa Mulher e por meio de seu Presidente, Lamartine Moreira.

Ainda no bojo dessa negativa repercussão, o então presidente do Ibape/GO publicou “Nota Oficial” na qual afirmou prestar solidariedade “a qualquer um que tenha se sentido ofendido com a publicação recente no Instagram do Ibape-GO, acompanhado de uma música composta com um palavreado desrespeitoso com as ‘associadas’ do Instituto”.

A nota reconheceu, ainda, que a postagem foi “totalmente incompatível com os objetivos do Ibape-GO”. Finalmente, a Entidade Federativa Nacional do Ibape também publicou nota, reiterando o repúdio às publicações misóginas e ofensivas veiculadas na página oficial da filial goiana.