Dupla jornada, múltiplas perdas: o preço pago pela mulher que precisa “dar conta de tudo”

Raízes históricas de uma desigualdade

A dupla jornada da mulher não é um fenômeno recente. Desde a Idade Média, as mulheres trabalhavam na agricultura, no artesanato e na gestão da casa, mas seu labor era visto como “apoio” ao trabalho masculino. “A economia só fluía porque a mulher garantia que o homem estivesse pronto para o trabalho externo. Mesmo assim, essa contribuição nunca foi valorizada”, destaca a historiadora Luísa Fernandes, autora de “Mulheres Invisíveis: Trabalho e Gênero nas Sociedades Pré-Industriais”.
Com a entrada massiva das mulheres no mercado formal no século XX, a estrutura social, no entanto, não se adaptou. “A expectativa é que elas simplesmente somassem funções, sem que os homens dividissem as tarefas domésticas”, observa Karina Siqueira, psicóloga da Hapvida. O resultado? Uma geração de mulheres que, mesmo qualificadas, precisam escolher entre crescer profissionalmente ou dedicar-se à família – ou se desgastar tentando equilibrar ambos.
A pergunta, mais do que retórica, é um chamado à ação. Afinal, como conclui Karina Siqueira, “equilíbrio não é sobre mulheres fazerem malabarismos, mas sobre a sociedade parar de jogar bolas demais em suas mãos”.

“Escolher é perder”: o custo emocional

Karina Siqueira explica que essa dinâmica gera um ciclo de culpa e frustração: “A mulher internaliza a ideia de que precisa ser perfeita em tudo, mas o problema não é individual – é estrutural. Não há como ‘dar conta’ de demandas que deveriam ser coletivas”.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçam o impacto na saúde mental: mulheres sob dupla jornada têm 30% mais risco de desenvolver ansiedade e depressão em comparação a homens na mesma situação. A síndrome de Burnout, marcada por exaustão crônica, também é mais frequente entre elas.
Entre a realização e a renúncia
Nem todas as mulheres vivem a dupla jornada da mesma forma. Enquanto algumas encontram realização no cuidado com a família, outras priorizam a carreira. Há ainda as que desafiam o sistema e tentam romper o ciclo. A especialista em psicologia comportamental da Hapvida aponta três eixos para mudança:
1. Corresponsabilidade Doméstica:
Campanhas como “Lavar a Louça Também é Coisa de Homem” e a ampliação da licença-paternidade buscam incentivar a divisão justa de tarefas. “Enquanto o cuidado for visto como ‘ajuda’ e não como obrigação de todos, nada muda”.
2. Políticas Públicas:
Creches acessíveis, jornadas de trabalho flexíveis e reconhecimento econômico do trabalho doméstico (como propõe a PEC das Domésticas) são urgentes.
3. Mudança Cultural:
Romper com estereótipos de gênero desde a infância. “Meninos precisam aprender que cuidar não é ‘coisa de mulher’”.