BYD, TikTok, Kaspersky e outras: por que os EUA estão barrando marcas estrangeiras?
A concorrência em tecnologia vai muito além de especificações técnicas, preço ou diferença de recursos em modelos de uma ou outra fabricante. A indústria está diretamente relacionada com política e é afetada por ela sem que o consumidor perceba.
Em especial nos últimos meses, os Estados Unidos intensificaram a aprovação de leis que limitam ou até banem marcas estrangeiras de operarem no país. A medida vale principalmente para marcas chinesas, mas expande para outras nações e ainda deve gerar novas consequências para esse cenário.
Onda de proibições
Um dos primeiros casos da atual leva de banimentos envolveu o governo dos EUA e a chinesa Huawei, fabricante de dispositivos e infraestrutura de telecomunicações. Ela chegou a ser a vice-líder em venda de smartphones e disputou contratos para fornecer 5G em vários países até 2019.
Após ter revogada até a licença do Android, ela vendeu a submarca Honor, reduziu lançamentos e perdeu boa parte do mercado internacional. Além disso, vários aliados dos EUA barraram a marca em licitações do 5G, mesmo sob preços atrativos.
A ByteDance, do TikTok, é outra chinesa afetada por políticas específicas. Após quase ser proibida em 2020, a rede social foi novamente alvo de um banimento, marcado para começar no ano que vem.
A campanha contra a plataforma foi aprovada com folga no Legislativo e acabou sancionada pelo presidente Joe Biden. Agora focada em tentar obrigar a ByteDance a vender a plataforma para empresas ou investidores locais, a lei volta a ser discutida por lá em setembro.
Caso parecido vive a DJI, referência em drones para uso casual ou profissional. Em junho de 2024, um projeto de lei contra produtos da marca avançou. Ele impede até que novos produtos recebam certificação, afetando até a importação.
Banir não é a única forma de protecionismo contra marcas de fora. No caso da montadora BYD, o governo dos EUA subiu de forma significativa a tarifa sobre veículos elétricos de fora, elevando o imposto de 25% para 100%.
Esse aumento foi observado também em semicondutores e equipamentos de IA da China, barrando negociações do país asiático com parceiros. Já o último dos casos envolveu uma marca russa, outro país com relações políticas delicadas com os EUA. A afetada foi a especialista em cibersegurança Kaspersky, também alvo de uma proibição.
Por que as empresas são banidas?
A motivação de praticamente todas as leis citadas é a proteção de dados. As acusações envolvem vigilância e violação de privacidade dos cidadãos do país, além de possível espionagem governamental pelas estrangeiras.
De acordo com Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação, essas ações envolvem geopolítica e transcendem a tecnologia. “Estamos vendo, nos últimos anos, a hegemonia de várias empresas de tecnologia americana sendo ameaçadas. E vem junto uma quantidade enorme de argumentos sobre quais dados são coletados e armazenados”, explica.
Para Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais, professor e podcaster, o motivo da preocupação é válido. Companhias de tecnologia trabalham com base em coleta de dados e há relativamente pouca transparência e garantias de segurança sobre essas informações — inclusive nas estadunidenses, como as plataformas da Meta e o X, antigo Twitter.
“Não há garantia de que não haja esse vazamento de informações em direção a outros governos. Mas, no mundo tecnológico como esse, há formas de tentar garantir a segurança para que não seja necessário bloquear”, detalha o professor, citando o uso de servidores locais para armazenamento de dados em um país.
Consequências do protecionismo
Os banimentos de um mercado grande e aquecido como os EUA pode ter uma consequência inesperada para o país. Em vez de afastar do mercado global, as medidas podem servir de impulso para o crescimento dessas companhias estrangeiras em outros mercados.
Segundo Baghdadi, a política acaba incentivando as empresas chinesas — que já inovam muito — em um processo que já está em curso. A BYD, por exemplo, superou a Tesla em vendas de carros elétricos antes de desembarcar nos EUA.
Ele relembra o caso do Instagram: uma empresa estadunidense que “corre atrás do TikTok para fazer inovações e competir”. O Reels, por exemplo, foi uma resposta ao formato de vídeos curtos na vertical.
Igreja alerta ainda para consequências negativas desse protecionismo em nome de desenvolvimento local. “O Brasil já viveu muito disso também, com vários segmentos e os resultados muitas vezes são catastróficos”, relembra, citando o caso da reserva de mercado de informática da década de 1980.
A eleição presidencial dos EUA, marcada para novembro deste ano, não deve alterar esse cenário. Tanto Joe Biden quanto Donald Trump, atual e ex-presidente que são os principais candidatos, devem seguir com sanções.
“Eles têm uma postura muito parecida em relação à China. A do Trump é mais agressiva retoricamente, mas a forma de agir do Biden é bastante dura também”, explica Baghdadi.