Viagem no tempo cósmico: um telescópio consegue ver o início do Universo?
Uma pergunta postada recentemente na seção Curious Kids (Crianças Curiosas) do site de divulgação científica The Conversation abordou um assunto que certamente muitos adultos já devem ter se questionado. “Se o telescópio James Webb [JWST] fosse 10 vezes mais poderoso, poderíamos ver o início dos tempos?” — perguntou um adolescente de 12 anos.
Respondendo ao garoto do Texas, a astrônoma e astrofísica Adi Ford, professora da Universidade de Maryland, nos EUA, respondeu que o JWST foi projetado há mais de 25 anos, e lançado no Natal de 2021, para ter uma visão relativamente desobstruída do Universo. Do seu destino, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, ele consegue, sim, perscrutar o passado do cosmos até cerca de 13,5 bilhões de anos.
Isso porque, como qualquer telescópio, o observatório espacial internacional (resultado de uma parceria das agências NASA, ESA e CSA) não mostra estrelas, galáxias e exoplanetas como eles são agora. Na verdade, o que os astrônomos veem são reflexos da luz do passado desses corpos e estruturas cósmicas.
Leva tempo para a luz viajar pelo espaço e chegar aos nossos telescópios. Em essência, isso significa que olhar para o espaço também é uma viagem no tempo“, explica Ford. Isso vale para pequenas e grandes distâncias. A luz do Sol que vemos, por exemplo, saiu da superfície da estrela há cerca de 8 minutos e 20 segundos.
Isso ocorre porque a velocidade de luz no vácuo — 300 mil quilômetros por segundo — é uma constante universal fundamental da natureza. Consequentemente, quanto mais longe uma fonte de luz está, mais tempo ela leva para chegar até nós. E é por esse motivo que a luz que vemos de Proxima Centauri, a estrela mais próxima da Terra, depois do Sol, demora 4 anos para chegar aqui, após percorrer quase 40 trilhões de quilômetros.
Em agosto de 2022, o JWST fotografou Earendel, considerada a estrela individual mais distante já observada até hoje, a quase 28 bilhões de anos-luz de distância. Isso significa que a luz dessa estrela vista pelo telescópio espacial tem cerca de 12,9 bilhões de anos, ou seja, pouco tempo após o Big Bang, quando universo ainda estava em seus estágios iniciais.
Que é possível fotografar o início dos tempos no Universo, sabemos que sim. Quanto a fotografar o Big Bang, esse termo usado pelos cientistas para definir o início do cosmos leva a uma certa confusão. Embora seja a teoria mais aceita pelos físicos, o termo é uma espécie de propaganda enganosa, pois o Big Bang não foi uma grande explosão.
Para Ford, o Big Bang “representa mais precisamente o surgimento de um espaço em rápida expansão por todo o Universo”. Mas isso não significa que o Big Bang causou essa expansão e nem que ela começou em um único ponto “fotogravável”, mas que começou a ocorrer ao mesmo tempo, no universo observável inteiro.
Nesse sentido, o JWST não foi projetado para fotografar o Big Bang, e, mesmo que fosse, ele só conseguiria observar o período em que os primeiros objetos formados começaram a emitir luz. Antes desse tempo, não havia radiação infravermelha que pudesse ser coletada e focada pelos espelhos do telescópio espacial.
Conforme Ford, olhar para um período próximo do Big Bang não se trata apenas de ter um espelho maior. Segundo a astrônoma, isso já foi tentado desde o final dos anos 1980, quando as agências espaciais enviaram ao espaço, satélites como o COBE, WMAP e Planck, cuja missão era observar as emissões de micro-ondas logo após a expansão cósmica inicial.
Porém, é importante destacar que a radiação cósmica de micro-ondas (RCMF) não é luz visível, mas somente uma forma de radiação eletromagnética que faz um registro térmico do tempo em que o Universo ainda era muito quente e denso, registrada em ondas de rádio.
Dessa forma, quando o JWST observa o cosmos apenas algumas centenas de milhões de anos após o Big Bang, isso não significa uma limitação do aparelho. A missão do telescópio é justamente captar um reflexo, por mínimo que seja, do lugar onde se espera ter surgido a primeira luz das estrelas e galáxias.